terça-feira, 15 de março de 2016

A DEVASSSA COPACABANA: HISTÓRIAS DA AV. PRADO JÚNIOR, O ENDEREÇO DO PECADO

Boemia desenfreada, prostitutas apaixonadas, michês enlouquecidos e escândalos da pesada. Tudo isso acontecia na avenida Prado Júnior, ponto emblemático do Rio de Janeiro entre as décadas de 1950 e 1970. Ainda hoje, seus frequentadores continuam a dizer que ali tudo é possível e que esse endereço desconhece só uma palavra: solidão.
Em sentido horário: Jane di Castro, Clóvis Bornay, Carlos Imperial, Rogéria e Nélia Paula. Todos frequentadores da avenida Prado Júnior
Em sentido horário: Jane di Castro, Clóvis Bornay, Carlos Imperial, Rogéria e Nélia Paula. Todos frequentadores da avenida Prado JúniorCréditos: Reprodução/Arquivo pessoal
Na década de 1950, o Rio de Janeiro vivia seu apogeu de glamour e o samba-canção era a trilha musical das boates mais elegantes da época, como Vogue, Sacha’s e Fred’s, em que muitos casais dançavam coladinhos. Entretanto, havia uma região onde os corpos ficavam mais colados e suados: a avenida Prado Júnior, conhecida por seus inferninhos, prostituição e muita pegação.

A PJ, como era chamada pelos íntimos, se caracterizou também por grandes prédios residenciais com minúsculos apartamentos, nos quais estudantes em início de carreira dividiam paredes com prostitutas, intelectuais e artistas em busca de um lugar ao sol. E isso não impediu que a alta sociedade frequentasse seus três quarteirões mais badalados. Clubes noturnos como La Conga, Sirocco e Mocambo marcaram época.

Moradores icônicos fazem parte de sua história. A vedete Nélia Paula viveu sua maturidade ali. A travesti Rogéria também teve a avenida como endereço, assim como o carnavalesco Clóvis Bornay. Residente ilustre do edifício Prado Júnior por 40 anos, quando falava sobre o endereço em público, Bornay dizia que, apesar de morar sozinho, nunca sentiu solidão naquele lugar. Pelo contrário, o silêncio era sempre recebido com estranheza pelos moradores.

BADALAÇÃO
“Havia as boates, pretensiosas e caras, em que se ouvia música, bebia, comia, flertava e dançava, nem sempre nessa ordem – e havia os inferninhos. Estes sim, lugares para um homem ir sozinho e sair acompanhado. A frequência era abundante e maciçamente profissional. Eles estavam surgindo em série na confluência da avenida Prado Júnior com a rua Ministro Viveiros de Castro, atrás da Vogue, e cabiam em qualquer espaço”, escreveu Ruy Castro em “A Noite do Meu Bem”, lançado pela Companhia das Letras em 2015. E como ele relata no livro, esses estabelecimentos ocupavam lojas desativadas, porões vazios e até mesmo garagens sem movimento de algum edifício comercial. Entre os mais famosos, estão o Sunset, que atraía o público gay, o Erótika e o Barbarella. “Para conservarem uma fachada de boate e não serem arrolados como simples pontos de prostituição, muitos inferninhos mantinham um piano de armário, sempre a cargo de um veterano no ocaso da carreira ou de um principiante a fim de uns trocados”, completa Castro.
Foto do livro “A Noite do Meu Bem”, de Ruy Castro, da Companhia das Letras. A obra apresenta o panorama dos boêmios que se concentraram em boates de Copacabana, sobretudo na avenida Prado JúniorCréditos: Reprodução

A boate do Hotel Plaza, com sua entrada na PJ, foi arrendada em 1952 pela cantora Linda Batista. Era sempre lotada. O hotel, com acesso pela avenida Princesa Isabel, servia de morada para muita gente bacana, como Maysa e Ronaldo Bôscoli. Muitos ex-maridos também firmavam endereço no Plaza quando os casamentos terminavam. O pecado morava ao lado. Nada melhor que as noitadas na Prado Júnior para curtir os momentos da nova solteirice com as moças da vida. A avenida também era o cenário de uma tradição: muitos pais levavam seus filhos para perder a virgindade nos pequenos conjugados e pensões da PJ.

LARICA

Nos anos 1950, um adolescente já era conhecido entre as prostitutas da Prado Júnior: o ator Ney Latorraca entregava quentinhas preparadas por sua mãe para muitas delas. Artista desempregada com o fim dos cassinos, esse foi um meio de sobrevivência encontrado pela antológica dona Nena. “Ela fazia comida comum, arroz, feijão, salada, bife, e eu ficava com as entregas, a pé ou de bicicleta. O curioso é que eu estudava no Colégio São Fernando, onde a maioria dos alunos era abastada, pago por uma amiga de minha mãe, e mesmo assim vivia na PJ”, diz Latorraca para a J.P.

Mas eram os botecos do Beco da Fome que atraíam os fãs da noite carioca na hora da larica, lá pelas tantas. Um dos pontos mais fervidos da Prado Júnior, o beco ligava a avenida com a rua Ministro Viveiros de Castro e abrigava botequins onde muitos se encontravam para fazer uma boquinha. O cineasta Luiz Carlos Lacerda era habitué. “Eu ia muito com Leila Diniz. Éramos muito jovens e não tínhamos dinheiro para comer no La Fiorentina, na avenida Atlântica. O beco era barato e lá tomávamos um caldo verde nas noites de inverno, depois de maratonas da night de Ipanema”, conta.

Daniel Filho também podia ser visto por lá, assim como Jô Soares, que chegou a morar na Prado Júnior na juventude. Cantores como Jerry Adriani e Nelson Gonçalves iam matar a fome depois de seus shows e doidões em geral iam para lá para baixar a onda da loucura. Outro pecado também morava ali: o famoso angu da Lindaura, que entrou para a história. “Este angu, por favor, não pode ser esquecido”, diz a travesti Jane Di Castro em conversa com a J.P, que depois das apresentações na boate Drink também se mandava para o Beco da Fome. “A Lindaura adorava travesti. Ela chegava para mim e falava: ‘Está com fome? Está dura? Senta aqui, depois você paga’”, lembra Jane. Na mesma madrugada, ainda eram vistos nomes como Jair Rodrigues, Carlos Imperial, Juca Chaves, Toni Tornado, a diva Darlene Glória, a atriz Vera Vianna e até mesmo a modelo Rose Di Primo, ainda adolescente. Já na esquina com a rua Barata Ribeiro, depois de filmagens ou apresentações de teatro, artistas iam comer sanduíche de pernil com abacaxi no tradicional Cervantes.
Da esq. para a dir.: Luiz Carlos Lourenço, Jane Di Castro e Ney Latorraca - figuras sempre vistas pela PJ. No detalhe, o logo do Barbarella
Da esq. para a dir.: Luiz Carlos Lourenço, Jane Di Castro e Ney Latorraca – figuras sempre vistas pela PJ. No detalhe, o logo do BarbarellaReprodução/TV Globo/Arquivo Pessoal/Revista J.P

S.O.S.
No número 237 da Prado Júnior, a Farmácia do Leme, aberta 24 horas, também fez seu nome – a procura por remédios contra ressaca era grande. “A farmácia salvou milhares de vidas por conta de suas injeções de Decadron, que iam direto para as veias dos boêmios”, conta Ruy Castro. Na época, dois funcionários da drogaria ganharam fama: o segurança Macumba e o vendedor Zé das Medalhas, que indicava produtos de maquiagem e pintava o rosto das prostitutas entre um programa e outro. Alguns famosos iam para se maquiar e papear com Zé – o falecido Jorge Lafond, mais conhecido como Vera Verão, era um deles.

Ao lado da farmácia, no número 281, o policial/galã Mariel Mariscöt morava em um conjugado. Um dos nomes que marcaram a avenida, nascido em Niterói, Mariel começou a chamar a atenção como salva-vidas no Posto 2 de Copacabana. As prostitutas e travestis babavam quando ele passava. Vaidoso, o garanhão tinha uma queda pela fama. Adorava uma estrela e elas retribuíam à altura. Era pai da filha da atriz Elsa de Castro, que largou o cinema para ser sua companheira. O gostosão rodava pelas ruas do pedaço com seu Fusquinha bege e ia acertar as contas com qualquer um que destratasse uma prostituta.
Rose  Di Primo também cedeu aos encantos dele. E Darlene Glória viveu um romance tumultuado com o policial. “Meu filho Rodrigo é fruto de uma breve e louca aventura com este homem fascinante, considerado um dos melhores da polícia carioca. Um homem que amei e odiei na mesma medida. Sofri muito com esse relacionamento. Se acontecesse de algum dia ambos estarmos possessos e furiosos, penso que poderíamos ter matado um ao outro”, revela a atriz na biografia Uma Nova Glória, da editora Vida. Isso não aconteceu. Mariel era do esquadrão da morte e o fim de sua vida, em 1981, abalou a imprensa: foi assassinado com oito tiros de uma submetralhadora. Em seu enterro, atores, cantores – como seu amigo íntimo Agnaldo Timóteo –, policiais, delegados e chacretes. Só Mariel para reunir um elenco tão diversificado.
À esq., Mariel Mariscöt, que teve vários apelidos; no centro, Jair Rodrigues; à direita, Darlene Glória, musa do cinema nacional, presença constante no Beco da FomeÀ esq., Mariel Mariscöt, que teve vários apelidos; no centro, Jair Rodrigues; à direita, Darlene Glória, musa do cinema nacional, presença constante no Beco da FomeCréditos: TV Globo/Arquivo Pessoal/Reprodução/Revista J.P

CULT
Em 1972, a Prado Júnior recebeu o Cinema 1, com uma programação sofisticada de filmes, selecionada pelo crítico Alberto Shatovsky. O espaço era rival do Cine Paissandu, no Flamengo, queridinho da intelectualidade carioca. “’São Bernardo’ [1971], de Leon Hirszman, ficou mais de dez semanas em cartaz. Outro que se estendeu pelo mesmo tempo foi ‘Pele de Asno’ [1970], do francês Jacques Demy. Clássicos de Ingmar Bergman como ‘O Sétimo Selo’ [1957] eram grandes atrações. Tudo isso terminou em 2005 e, hoje, existe um hortifrúti por lá”, diz o jornalista Luiz Carlos Lourenço.
O amor de alguns moradores pela Prado Júnior era tanto que ela serviu até de cenário de filme. O diretor carioca David Neves, residente da avenida, filmou “Fulaninha” (1986) ali, lançando Mariana de Moraes como musa do verão e Cláudio Marzo numa interpretação inesquecível e registrando os quarteirões da PJ também na história do cinema.
À esq., Rômulo Arantes e Lui Mendes, que protagonizaram um escândalo na avenida Prado Júnior em 2007; á dir., Mariana de Moraes, no filme "Fulaninha", e fachada do Cinema 1
À esq., Rômulo Arantes e Lui Mendes, que protagonizaram um escândalo na avenida Prado Júnior em 2007; á dir., Mariana de Moraes, no filme “Fulaninha”, e fachada do Cinema 1Créditos: Agência O Globo/Reprodução/Arquivo Pessoal/Revista J.P

ANOS 2000
Nas últimas décadas, o cenário pouco mudou: a rua ainda ferve. Escândalos também não faltam. Em julho de 2007, por exemplo, os atores globais Rômulo Arantes Neto e Lui Mendes viram seus nomes na imprensa envolvidos com uma prostitua e duas travestis da PJ.
No entanto, segundo os habitués, na maioria dos dias, as várias tribos que frequentam a avenida convivem em paz. Pela manhã, velhinhas saem na rua para comprar seus jornais e dividem a calçada com prostitutas bebendo uma cerveja no fim do expediente. Junto com elas, pitboys e gringos recém-saídos da night carioca, sempre discutindo preços com os taxistas locais. É assim uma manhã corriqueira…
Ah, por sinal, o nome da rua é em homenagem a Antônio da Silva Prado Júnior, político paulista que foi prefeito do Rio em 1926 e fundador do grã-fino Club Athletico Paulistano.

fonte:
http://glamurama.uol.com.br/a-devassa-de-copacabana-historias-da-av-prado-junior-o-endereco-do-pecado/

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